quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Alimentando pombos



Chega a mensagem da amiga, de coração carinhoso
em que a doce imagem da menina me hipnotiza
eternamente alimentando pombos, num mundo só seu.
Tão doce mundo, tão delicada luz, tão tudo de bom, demais...
Mas esqueci de fechar as janelas e frestas da casa
e a vida de verdade entrou, desaforada e estridente 
pela voz do repórter do jornal das sete, que assim como alguns 
do jornal das oito, das nove, das dez e das madrugadas obscuras 
parece se deleitar em nos deitar notícias ruins pela televisão afora. 
Sim, eu sei que o mundo tem acontecimentos maus... 
Mas é preciso apresentá-los assim, nessa crueza dura? 
Ou pior, nessa narrativa que abusou de toda a maquiavélica criatividade 
para averiguar os detalhes mais indecorosos e sórdidos, 
entrevistando das vítimas a mãe, a irmã, a tia e os parentes todos 
e tentando espremer deles mais lágrimas, mais dores, 
cutucando as feridas abertas com a vozinha doce e falsa 
e acordando sentimentos doloridos e memórias perenes que talvez nem despertassem 
sem essa voracidade pela notícia violenta e sinistra. 
Deixem em paz as vítimas e seus queridos, não preciso da notícia inteira, 
esquartejada, detalhada em precisão cirúrgica e posições cadavéricas. 
Alguém morreu, eu sei. 
Mas não deite fora o respeito pela morte e pela vida como a água de um balde sujo 
Nem atire na vala comum mais um acontecimento, 
fazendo dele apenas uma isca para os números de audiência. 
Você tirou minha paz, repórter do jornal das sete 
e nem tive tempo de trocar de canal ou de baixar o volume 
antes de trocar de alma para sair desse mundo 
onde a menina eternamente alimentava pombos.



Bíndi


Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhgbaQu9sDQ0ib7IOKOm09dsp_JzMUWs9SSroioU5Qb-Hk8-0JIFnhsLAIjGJlWIBL62Ef5_lNFtmWpw9jFFQnLObqC6vQD-zR9UNW_J0NCE17HJu2cVmr99dtrtfXoHt1YhA6cE2oK78O/s1600/Animation.gif

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