segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Sombras




Sombras 



Toda a sua vida havia sido marcada pela sede: de conhecimento, de respostas, de conhecer-se para apreender o mundo complexo de fora, mas sobretudo por um profundo anelo por ser melhor do que era.

Ao seu redor ele via a saciedade dos sentidos, da inteligência, via partidas e retornos, percebia os trens chegando, para os outros, lotados de conhecidos que traziam abraços e fotos de lugares distantes; mas trem algum chegou para ele. Via-se pequeno e ordinário aguardando na estação pelo vagão que traria finalmente a experiência suprema, a aurora mística, a angelitude em vida...

A mochila nas costas, por mais leve que quisesse levar, pesava sempre. Era uma longa jornada tentando desfazer-se de falhas e defeitos, arredondando-se a cada baque da vida, como um seixo que rola agitado por um rio frenético e ao bater no fundo e nas margens perde algumas partículas por vez. Mas era tão pouco para quem almejava tanto...Desejava um futuro não muito distante distribuindo uma luz sem lacunas de sombra, uma bondade sem mácula, uma fraternidade sem cobranças.

Mas entre todas as falhas que ainda tinha por burilar, uma lhe era a mais dolorida: a falta de uma profunda empatia pelo semelhante, essa privação de sentir vontade de chorar quando outro chora, de rir ao perceber o riso, de cantar junto com quem canta – o pior dos defeitos, a suprema carência, em sua forma de ver, e que por mais que se esforçasse não lograva sentir. Queria a perfeição agora, como a criança que sabe do presente escondido há meses no armário não quer esperar pelo natal. Sentia-se pequeno demais enquanto não fosse extremamente grande, sujo demais enquanto não estivesse imaculadamente limpo. Existir como um simples ser humano cheio de falhas doía-lhe.

Foi numa de suas andanças entre as ruelas da parte marginalizada da cidade, tentando sentir a compaixão pungente que sempre buscara, que viu a moça baleada sobre uma poça de sangue. Ao seu lado, pessoas chorosas e desesperadas, e um rapaz que inclinado sobre ela tentava desesperadamente lhe prestar os primeiros socorros e impedir que a vida escoasse com cada uma das gotas que avermelhavam o chão batido. “Preciso de ajuda”, ele falou olhando ao redor em desespero; “Ela tem uma artéria rompida, necessito que alguém faça compressas sobre a hemorragia enquanto eu a reanimo ou ela morrerá...” Com um esgar de horror, as compungidas pessoas que o circundavam instintivamente se afastaram...Não conseguiam cogitar em tocar aquelas carnes dilaceradas e pulsantes, entreolhando-se chocados.

Mas ele agachou-se, pegou a toalha que o socorrista apontava e pressionou o local sanguinolento sem problemas. Assim, ao lado dela, percorreu o caminho todo até o hospital. Quando a maca desapareceu no longo corredor batido pelas cruas luzes brancas, virou as costas para ir, voltando sobre os próprios passos. Quase não notou o rapaz a quem ajudara, que ao passar por ele, disse baixinho: “se não fosse sua serenidade e presença de espírito, talvez minha irmã estivesse morta...Obrigado.”

Bíndi

Imagem: earthporm.com

Música: Sabrina Carpenter - Shadows



domingo, 5 de novembro de 2017

Desculpe não ter dito adeus



Moça, tua estrada é longa
Nem sempre pisarás em flores
Muitos espinhos te farão chorar
Nesses momentos estarás sozinha

Ainda ontem eu podia cheirar teu perfume
Hoje só posso soprar ao teu ouvido
Mesmo sem ser escutado
Me restam ainda as dores da partida inesperada

Das pessoas, espere compreensão, mas nem sempre
Cada um carrega o próprio céu
Teu céu  é o teu coração
É nele que ficarei agora, por isso não me despedi!

Talvez amanhã eu seja conduzido para mais longe de ti
Entretanto, esses laços não se quebram...mesmo nos confins do universo!

O fato é...eu lamento ter feito você chorar
Saiba que estou bem aqui...não chore  por minha ausência
Lembre dos risos que tivemos, das nossas brincadeiras
O tempo todo eu observava teu jeito de ser, aprendi muito contigo

Obrigado, por ter cuidado de mim 
Obrigado, por ter me recolhido de um destino cruel
Obrigado, por todas as vezes que de tuas mãos recebi o alimento
Obrigado, por nunca teres me batido pelas sujeiras que fiz em tua casa

Agora terei um novo lar, mas nunca te esquecerei
Saiba que continuarei a observar-te, em silêncio...como sempre fiz

Desde que me acolheste em teu colo maternal, observei tua vida
Digo-te com a sinceridade que sempre me expressei...está tudo em tuas mãos.

Depende de ti, chorar sem sofrer em demasia
Dolorir o coração,  porém...seguir
Também terei que seguir, hoje graças à luz que me mostraste...em paz!

Até sempre!

Ghost

Em honra a um serzinho de luz em forma de cão que esteve nesse mundo até 13.10.2017


Música: Nicola Di Bari - Il Mondo Gira


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