Apuros de Prestimosa
Biografia de uma ficção
Capítulo Um - e, talvez, único.
Chamo-me Prestimosa, de pai e mãe descendente de heroicas raças que pelo Brasil aportaram. Conto-vos minha história sabendo-me desde já sujeita a vexames e melindres - pois as opiniões são diversas e nem sempre serei recebida com aplausos. Previno-me então para alguns muxoxos desdenhosos, interjeições jocosas, risos abafados de escárnio; mas sei que em sua maioria, meus leitores talvez, até, reconheçam-se em alguma de minhas desgramadas patranhas.
Pois vou contar de como conheci meu delegado, lá no querido interior do Brasil, numa cidadezinha onde o vento faz a curva e o judas não apenas perdeu as botas como furou as meias nos pedregulhos dos caminhos sem pavimento. Cresci ouvindo o grito dos carcarás e o pio das corujas, numa casinha branca cercada de pés de araçá, carambola e ingá, e onde as laranjeiras em flor atraíam abelhas e pares enamorados que vinham suspirar ao pé do muro, onde escondiam bilhetinhos de amor.
Certo dia, tinha eu meus quatorze anos, e um infausto acontecimento quebrou a serena monotonia do lugar. Fomos acordados pelos gritos de meu pai, que ao amanhecer costumava, amorosa e diligentemente, alimentar suas galinhas de estimação. Pois naquela fatídica manhã chegou ele ao galinheiro e constatou que estava vazio como o céu dos católicos: suas amadas Ponciana,Tibúrcia, Carminosa,Ventoinha, Izidora e todas as demais estimadas penosas haviam desaparecido. Num correrio do demo, vasculhou-se cada canto e nada encontramos. Convocou-se o delegado.
Podem os ilustres citadinos, acostumados com uma rotina de bárbaros crimes pipocando todos os dias, estranhar o fato de requerer-se a presença de um delegado para um prosaico desaparecimento galináceo: mas é preciso que se esclareça que, naquele tempo e naquela cidade, crimes eram quase inexistentes, e a última vez de que tivemos notícia de um, foi quando os moleques da escolinha, desejosos de uma pescaria ao invés das aulas de moral e cívica, colocaram areia no tanque de combustível do velho fusca da professora.
Pois o delegado veio diligenciar; era ele novo na cidade, chegado há poucos dias, e desejoso de estrear em grande estilo resolvendo uma charada criminosa, apressou-se em averiguar, de bloquinho em punho, o álibi de cada morador das vizinhanças. Não pude deixar de notar que era ele bem apessoado e elegante de estampa e de gestos, e muito me entristeci quando fui posta para fora da sala onde ele e meu pai conversavam. Fechou-se a porta, e fui cuidar da vida; mas curiosa como um filhote de mico, não pude me furtar de assuntar, e dando a volta na casa, acocorei-me sob a janela para ouvir a conversa. O que ouvi meu pai dizer abateu-me mais que as urtigas pinicando o derriére:
“Ela só tem quatorze anos, mas sabe lavar, passar e cozinhar, e como vossa excelência viu é bem apanhadinha. Por dois mil cruzeiros selamos o negócio e leva hoje mesmo, pois tenho mais quatro para encaminhar.”
Fiquei de queixo caído: nossa situação estava tão negra que meu pai me vendia, como produto de feira, em casamento? Corri dali antes de ouvir as risadas na sala, pois certamente era uma brincadeira entre adultos; mas passei o dia escondida entre moitas de dama-da-noite e a família toda esqueceu das galinhas para procurar-me. Quem veio a me encontrar foi ele, o pivô da situação, toda chorosa e já com saudades da família por me achar vendida e mal paga. Estendeu-me um branco lenço que encharquei de lágrimas, e ele beijou-me a mão dizendo que o coração não se compra nem se vende, mas se dá em bondade e devoção, amor e arrebatamento, e que o dele estava guardado para quem o soubesse espanar e tirar da prateleira onde se escondia esquecido do mundo. Pois digo que dali saí disposta a lustrar, lavar, polir e deixar fulgente e luzidio como sino de prata aquele coração que se mostrava sincero e arrebatado.
E sobre as galinhas...jamais soubemos o seu paradeiro. Consta que terminaram seus dias animando canjas na casa do Manoel das Cabras, o que nunca foi comprovado.
Bíndi
Crédito da imagem: Correio da Amazônia
Bom dia, Bindi e Ghost!
ResponderExcluirAh!Que história boa de ler! Fui também transportada para meu pequeno lugarejo, onde vivi a infância!Abraços apertados!
Feliz Páscoa!
Onde existe um galo não cantam as galinhas, lol
ResponderExcluir.
Boa semana. Cumprimentos.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Olá, queridos amigos!
ResponderExcluirEspero k vocês se encontrem de saúde e já com uma dose de vacina no bracinho. Eu estou bem, mas vacina, ainda não tomei. Avanços e recuos devidos às consequências da Astrazeneca e de outras, têm feito parar, temporariamente, a vacinação por aqui.
Uma história em forma de ficção muito interessante e boa de se ler. A Prestimosa era uma menina como qualquer outra da sua idade, mas sabia fazer de tudo na lida doméstica e tinha um excelente coração.
Gostei mto da descrição da casinha dela e de tudo o que a rodeava. Era uma menina mto feliz, trabalhadora e com noção e vontade para ajudar seus pais.
O delegado, como era costume, era a pessoa que resolvia todos os problemas lá do sítio qdo as pessoas não se portavam bem, tipo polícia, só qiue os crimes de lá eram coisas bem insignificantes.
Ora, as galinhas do galinheiro dela e dos pais tinham desaparecido e por muito que tivessem sido procuradas, não foram encontradas. Que tristeza para todos!
O delegado e seu pai falavam animados, e ela, curiosa, escutou a conversa deles. Ficou aterrorizada com a decisão, pois as pessoas não são produtos, e portanto não são vendáveis. E uma menina de 14 anos prometida em casamento a um homem muito mais velho k ela?
Prestimosa não foi de modas e embora muito chorosa disse diretamente ao delegado que as pessoas não se compram, nem se vendem. Ele lhe estendeu um lenço branco para aparar suas lágrimas e concordou com ela, embora referisse sua solidão. Perante o gesto e palavras do delegado, a menina cedeu e disse que deixaria o coração dele tão brilhante como sino de prata, o k me leva a crer que ela aceitou a proposta de casamento combinada entre o pai dela e o delegado.
Ficção ou realidade, creio que muitas meninas se casaram desse jeito e outras obrigadas, mas era assim o costume, pois a pobreza falava mais alto.
As galinhas nunca mais apareceram e talvez já estivessem na barriguinha de alguém, depois de cozinhadas.
A imagem, do Correio da Amazônia, que encima teu texto, Bíndi, está uma delícia. Soubeste escolher mto bem. Parabéns!
Beijos, um abraço com carinho e mta saúde para ambos.
Olá, amigos!
ResponderExcluirQue conto mais gostoso de ler. Criativo, leve, alegre e que me fez ler com um sorriso nós lábios.
Tomara que venha mais histórias assim.
Um abraço
Sônia
Olá,
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