segunda-feira, 29 de março de 2021

Apuros de Prestimosa

 


 

Apuros de Prestimosa

                                                                                        Biografia de uma ficção
                                                                                                    Capítulo Um - e, talvez, único.

Chamo-me Prestimosa, de pai e mãe descendente de heroicas raças que pelo Brasil aportaram. Conto-vos minha história sabendo-me desde já sujeita a vexames e melindres - pois as opiniões são diversas e nem sempre serei recebida com aplausos. Previno-me então para alguns muxoxos desdenhosos, interjeições jocosas, risos abafados de escárnio; mas sei que em sua maioria, meus leitores talvez, até, reconheçam-se em alguma de minhas desgramadas patranhas.

Pois vou contar de como conheci meu delegado, lá no querido interior do Brasil, numa cidadezinha onde o vento faz a curva e o judas não apenas perdeu as botas como furou as meias nos pedregulhos dos caminhos sem pavimento. Cresci ouvindo o grito dos carcarás e o pio das corujas, numa casinha branca cercada de pés de araçá, carambola e ingá, e onde as laranjeiras em flor atraíam abelhas e pares enamorados que vinham suspirar ao pé do muro, onde escondiam bilhetinhos de amor.
Certo dia, tinha eu meus quatorze anos, e um infausto acontecimento quebrou a serena monotonia do lugar. Fomos acordados pelos gritos de meu pai, que ao amanhecer costumava, amorosa e diligentemente, alimentar suas galinhas de estimação. Pois naquela fatídica manhã chegou ele ao galinheiro e constatou que estava vazio como o céu dos católicos: suas amadas Ponciana,Tibúrcia, Carminosa,Ventoinha, Izidora e todas as demais estimadas penosas haviam desaparecido. Num correrio do demo, vasculhou-se cada canto e nada encontramos. Convocou-se o delegado.
Podem os ilustres citadinos, acostumados com uma rotina de bárbaros crimes pipocando todos os dias, estranhar o fato de requerer-se a presença de um delegado para um prosaico desaparecimento galináceo: mas é preciso que se esclareça que, naquele tempo e naquela cidade, crimes eram quase inexistentes, e a última vez de que tivemos notícia de um, foi quando os moleques da escolinha, desejosos de uma pescaria ao invés das aulas de moral e cívica, colocaram areia no tanque de combustível do velho fusca da professora.

Pois o delegado veio diligenciar; era ele novo na cidade, chegado há poucos dias, e desejoso de estrear em grande estilo resolvendo uma charada criminosa, apressou-se em averiguar, de bloquinho em punho, o álibi de cada morador das vizinhanças. Não pude deixar de notar que era ele bem apessoado e elegante de estampa e de gestos, e muito me entristeci quando fui posta para fora da sala onde ele e meu pai conversavam. Fechou-se a porta, e fui cuidar da vida; mas curiosa como um filhote de mico, não pude me furtar de assuntar, e dando a volta na casa, acocorei-me sob a janela para ouvir a conversa. O que ouvi meu pai dizer abateu-me mais que as urtigas pinicando o derriére:  
“Ela só tem quatorze anos, mas sabe lavar, passar e cozinhar, e como vossa excelência viu é bem apanhadinha. Por dois mil cruzeiros selamos o negócio e leva hoje mesmo, pois tenho mais quatro para encaminhar.”

Fiquei de queixo caído: nossa situação estava tão negra que meu pai me vendia, como produto de feira, em casamento? Corri dali antes de ouvir as risadas na sala, pois certamente era uma brincadeira entre adultos; mas passei o dia escondida entre moitas de dama-da-noite e a família toda esqueceu das galinhas para procurar-me. Quem veio a me encontrar foi ele, o pivô da situação, toda chorosa e já com saudades da família por me achar vendida e mal paga. Estendeu-me um branco lenço que encharquei de lágrimas, e ele beijou-me a mão dizendo que o coração não se compra nem se vende, mas se dá em bondade e devoção, amor e arrebatamento, e que o dele estava guardado para quem o soubesse espanar e tirar da prateleira onde se escondia esquecido do mundo. Pois digo que dali saí disposta a lustrar, lavar, polir e deixar fulgente e luzidio como sino de prata aquele coração que se mostrava sincero e arrebatado.
E sobre as galinhas...jamais soubemos o seu paradeiro. Consta que terminaram seus dias animando canjas na casa do Manoel das Cabras, o que nunca foi comprovado.

 

Bíndi

 

Crédito da imagem: Correio da Amazônia

quinta-feira, 4 de março de 2021

 


 
 
 
As asas se abrem, o voo está por iniciar...
Céus se mostram em cores e sons
O coração doce já não sente a harmonia
O silêncio se torna companheiro fiel

Do ninho, ficam as palhas...os pássaros voam além
Sem saudade de ninguém, outros irmãos, outra nação
A Samsara se movimenta num sussurro, num adeus
A música segue...a egrégora se mantém

Noutras paragens, noutras dimensões, acomodam-se no ninho
Vem o vento, balança a fortaleza...as asas se agitam novamente

Lá vão os pássaros, buscando a liberdade...num horizonte sem fim.

Ghost

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